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União estável e Livro E: entenda o papel do registro oficial e seus efeitos jurídicos

  • Foto do escritor: Bravo Godoy Perroni Advocacia
    Bravo Godoy Perroni Advocacia
  • há 7 horas
  • 4 min de leitura

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Nos últimos anos, a maneira como a união estável é formalizada no Brasil passou por mudanças significativas com a criação do Livro E, um registro próprio nos Cartórios de Registro Civil. Essa evolução tem reflexos importantes, especialmente na organização patrimonial do casal e na forma como terceiros - como credores, herdeiros ou órgãos públicos - podem ser afetados pelas escolhas feitas pelos conviventes.


Este artigo busca explicar o que é o Livro E, qual a validade dos contratos particulares de união estável e por que a formalização do vínculo no cartório confere maior segurança jurídica ao casal.


O que é o Livro E?

O Livro E é o registro destinado a formalizar os atos de união estável que os casais optam por realizar junto ao Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais.


A regulamentação desse registro ocorreu através do Provimento n. 149/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que buscou sistematizar os serviços notariais e registrais. É importante saber que o registro no Livro E é facultativo; a existência da união estável não depende dele. No entanto, ao ser realizado, essa formalização passa a produzir efeitos jurídicos perante terceiros, conferindo maior segurança nas relações patrimoniais e familiares.


Contrato particular de união estável: é válido?

Sim, o contrato de convivência é válido. O Código Civil permite que os companheiros pactuem, por escrito, o regime de bens que desejam adotar durante a união (como separação total ou comunhão universal). Esse contrato tem plena validade entre os conviventes e serve para regular as questões internas do casal (efeito inter partes).


Para ser válido entre o casal, esse instrumento não exige escritura pública, podendo ser celebrado de forma particular, bastando as assinaturas das partes. Contudo, recomenda-se o reconhecimento de firma ou assinatura digital qualificada.


A Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, admite o uso de contrato particular assinado com certificado digital como meio hábil para comprovar a união em cartório.


A Distinção Crucial: Validade vs. Publicidade

Aqui reside o ponto mais importante sobre a formalização da união estável: o contrato particular, mesmo sendo válido entre os companheiros, não tem eficácia automática perante terceiros.Ou seja, esse pacto, por ser privado, não gera automaticamente publicidade capaz de vincular terceiros que não participaram do ato.


O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já enfrentou esse tema. Em caso analisado pela Corte, uma mulher teve seus bens atingidos por dívidas do companheiro, mesmo tendo firmado com ele contrato de união estável com separação de bens. Como esse contrato não havia sido registrado, entendeu-se que ele não poderia ser imposto ao credor.


Portanto, a publicidade do pacto patrimonial é fundamental para sua plena eficácia jurídica. E é justamente aí que o Livro E ganha relevância prática.


O que o Livro E muda na prática?

O registro da união estável no Livro E é o meio legal para atribuir publicidade ao vínculo e às condições pactuadas pelo casal. 


Esse registro, portanto, atribui eficácia contra terceiros (erga omnes). Isso significa que a partir do momento em que a união estável está registrada no Livro E, ela pode ser considerada oponível a outras pessoas e instituições.


Ainda que a existência da união já seja reconhecida entre os companheiros, é o registro que assegura transparência jurídica nas relações com terceiros.


E sobre a retroatividade do regime de bens?

O tema da retroatividade tem gerado dúvidas relevantes. O CNJ, ao regulamentar a matéria, estabeleceu no art. 547, §4º, do Provimento 149/2023 que as alterações no regime de bens na união estável só produzem efeitos após sua averbação no Livro E, não retroagindo a bens adquiridos anteriormente.


Isso quer dizer que, mesmo que o casal declare que está em separação total de bens desde o início da convivência, essa estipulação não terá efeito retroativo no âmbito extrajudicial. O cartório deve seguir as normas administrativas vigentes e pode nāo reconhecer efeitos patrimoniais passados sem amparo judicial específico. 


Quais Documentos Podem Ser Registrados no Livro E?

O Provimento 149/2023 do CNJ estabelece os títulos que podem embasar o registro da união estável no Livro E:


  • Contrato particular com firmas reconhecidas;

  • Escritura pública de união estável lavrada em cartório de notas;

  • Sentença judicial que reconhece a união estável;

  • Termo declaratório lavrado diretamente no Registro Civil, mediante requerimento do casal.


Em qualquer dessas formas, a publicidade só é efetiva após o registro. Sem esse passo, o documento permanece com validade restrita ao casal (efeito inter partes).


Por que o Registro é Recomendável?

Embora seja facultativo, a realização do registro é altamente recomendável. Ele é um passo fundamental para:


• Garantir a proteção patrimonial frente a terceiros;

• Facilitar o planejamento sucessório e a organização de herança;

• Servir como prova documental para acesso a benefícios previdenciários;

• Prevenir litígios quanto à data de início da união ou ao regime de bens.


É importante lembrar que não é admitido o registro no Livro E se uma das partes for casada e apenas separada de fato; nesses casos, é necessário apresentar a dissolução formal do casamento anterior ou uma decisão judicial que autorize o registro.


Conclusão

Formalizar uma união estável vai além de reconhecer o vínculo afetivo: trata-se de uma medida que confere segurança jurídica, organização patrimonial e clareza nas relações familiares e sociais.


Embora o contrato particular seja um instrumento legítimo e eficaz entre os companheiros, ele não substitui os efeitos do registro público. O registro da união estável no Livro E é a ferramenta prevista em lei para tornar esse vínculo e seu regime de bens plenamente reconhecíveis por terceiros — incluindo instituições financeiras, órgãos públicos e o próprio Judiciário.


Ao optar pela formalização no Livro E, o casal evita incertezas, previne disputas futuras e assegura que seus direitos sejam respeitados em diferentes contextos. Trata-se de um passo relevante para quem busca estabilidade jurídica e proteção mútua ao longo da vida em comum.


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