Abandono afetivo passa a ser ilícito civil no Estatuto da Criança e do Adolescente
- Bravo Godoy Perroni Advocacia

- há 5 dias
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Foi sancionada a Lei nº 15.240/2025, que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para reconhecer o abandono afetivo como ilícito civil, passível de reparação por danos. A norma foi publicada no Diário Oficial da União em 29 de outubro de 2025 e assinada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, no exercício da presidência da República, junto aos ministros Ricardo Lewandowski (Justiça e Segurança Pública) e Macaé Evaristo (Direitos Humanos e Cidadania).
Com a nova redação, o dever dos pais passa a abranger expressamente a assistência afetiva, ao lado das obrigações já existentes de sustento, guarda, convivência e educação.
O que a lei determina
O novo §2º do artigo 4º do ECA estabelece que os pais têm o dever de prestar assistência afetiva por meio de convivência ou visitação periódica, permitindo o acompanhamento da formação psicológica, moral e social da criança ou do adolescente.
A lei detalha três dimensões dessa assistência afetiva:
Orientação nas principais escolhas e oportunidades profissionais, educacionais e culturais;
Solidariedade e apoio em momentos de sofrimento ou dificuldade;
Presença física quando solicitada pela criança ou adolescente, sempre que possível de ser atendida.
Esses dispositivos formalizam o entendimento de que o cuidado emocional integra as responsabilidades parentais, deixando de ser apenas um valor moral e passando a ser um dever jurídico expresso.
Alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente
A Lei nº 15.240/2025 promoveu alterações em diversos artigos do ECA, consolidando o cuidado afetivo como um direito da criança e um dever dos pais:
Artigo 4º – Inclui a obrigação de prestar assistência afetiva e define o seu conteúdo.
Artigo 5º – Passa a considerar o abandono afetivo como conduta ilícita, sujeita à reparação de danos e a outras sanções cabíveis.
Artigo 22 – Amplia o dever dos pais, incluindo a assistência material e afetiva no rol de responsabilidades parentais.
Artigo 56 e seguintes – Adequa as referências legais, reforçando que a negligência, o abuso e o abandono violam direitos fundamentais e podem ensejar medidas protetivas, como o afastamento cautelar do responsável da moradia comum.
Essas alterações reafirmam a doutrina da proteção integral prevista no art. 227 da Constituição Federal e incorporam de forma expressa ao ECA o que a jurisprudência já vinha reconhecendo: o abandono afetivo pode gerar responsabilidade civil.
Do reconhecimento jurisprudencial à previsão legal
Antes da nova lei, o tema do abandono afetivo era discutido com base em precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ).Em julgados como o REsp 1.159.242/SP, a Corte reconheceu que a omissão no dever de cuidado e convivência pode gerar dano moral indenizável, desde que comprovada a conduta omissiva e o prejuízo à formação emocional do filho.
Com a entrada em vigor da Lei nº 15.240/2025, esse entendimento deixa de depender apenas da interpretação jurisprudencial e passa a constar de forma expressa no texto legal.Trata-se de um avanço na sistematização das responsabilidades parentais, que agora englobam não apenas a proteção material e educacional, mas também a preservação do vínculo afetivo como componente essencial do desenvolvimento infantil.
Implicações para o Direito das Famílias
A nova legislação não cria uma obrigação sentimental, mas consolida um entendimento técnico: o dever de cuidado inclui também o apoio emocional e a convivência constante.
Para o Direito de Família, a mudança representa:
Segurança jurídica: define parâmetros objetivos para análise de casos de omissão afetiva, antes tratados apenas por analogia à responsabilidade civil.
Prevenção de litígios: reforça a importância do acompanhamento e da convivência regular, inclusive em situações de separação, guarda compartilhada e reorganização familiar.
Integração interdisciplinar: estimula a atuação coordenada entre o sistema de Justiça, o Ministério Público, os conselhos tutelares e as redes de educação e saúde, que passam a ter respaldo legal para identificar e encaminhar situações de negligência afetiva.
A lei, portanto, fortalece a compreensão de que o cuidado com crianças e adolescentes é uma função compartilhada, que envolve presença, orientação e corresponsabilidade.
Reflexão final
A Lei nº 15.240/2025 consolida um movimento já presente na prática judicial brasileira: o de reconhecer que o desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes depende tanto da proteção material quanto do vínculo afetivo e da convivência regular com seus responsáveis.
A formalização desse dever no ECA não busca punir relações familiares imperfeitas, mas estabelecer parâmetros objetivos de cuidado e corresponsabilidade, oferecendo base legal para a atuação dos órgãos de proteção e para a análise equilibrada de eventuais casos de omissão.
Trata-se, em última análise, de uma evolução legislativa coerente com a Constituição Federal e com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, que orienta todo o sistema jurídico de proteção infantojuvenil.
Fonte: Migalhas



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