O pai de Artur, que teve o nome trocado para preservar sua identidade, sumiu no mundo após o divórcio. Sua mãe foi para o exterior tentar a vida, há dois anos. Desde que nasceu, o menino é criado pelos avós maternos, que recentemente entraram com o pedido de guarda provisória. Na última semana, a guarda foi deferida pela 3ª Vara Cível de Porto Nacional, no Tocantins.
Para a sentença, a juíza considerou a impossibilidade da mãe em assumir a guarda do filho e também o fato de os avós terem melhores condições de cuidado. O caso exemplifica diversas ações judiciais pelo país, nas quais avós pedem pelo direito legal de criar seus netos. Mas quando eles têm este direito?
“A guarda conferida a avós é sempre secundária, excepcional, pois a lei preza que a criança permaneça sob a guarda de seus genitores, os detentores do poder familiar, ou seja, os pais. Somente não sendo possível é que se busca a família extensa, os avós”, explica o juiz Fábio Ribeiro Brandão, da Vara da Infância e da Juventude de Curitiba.
Ele destaca, no entanto, que tios e outros parentes também são considerados família extensa e que a decisão do juiz busca sempre o melhor interesse do menor. “Buscamos a melhor situação para o protegido. Assim como os vínculos de afinidade e afetividade, previstos no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que em seu artigo 25 define o conceito de família extensa como parentes próximos, com os quais o protegido tenha vínculos estabelecidos pela convivência.”
Na sentença do Tocantins, a magistrada destacou que os vínculos entre Artur e os avós estavam consolidados, "de forma que passaram a representar a figura referencial primária na vida do infante".
Medida protetiva
O juiz Fábio Brandão esclarece que existem duas possibilidades de se ingressar com o pedido de guarda provisória no Brasil. O primeiro é quando se discute apenas a melhor solução para uma questão familiar e, assim, o processo será avaliado pela Vara de Família. “São casos em que não há negligência ou abuso sexual, por exemplo, evasão escolar ou carência extrema de recursos materiais; nenhuma situação que ensejaria aplicação de medidas extremas pela Justiça, mas sim um arranjo familiar", explica.
Já a ação solicitada na Vara da Infância e da Juventude ocorre no contexto da família extensa ou ampliada, e normalmente com intervenção judicial prévia. “São situações em que o Poder Judiciário já aplicou uma medida de proteção como resposta à situação de risco que o menor vivenciou sob os cuidados dos pais. É tida como uma medida protetiva em virtude da violação de direitos”, ressalta o juiz.
Ele diz não ser possível mensurar se aumentou o número de ações relacionadas à guarda de netos por avós, mas elas envolvem, especialmente, pais jovens, gravidez precoce, uso de drogas, abandono dos menores, famílias disfuncionais, divórcios com conflitos e até dificuldades financeiras dos pais.
A guarda e os deveres
Nos casos em que não existe situação de risco ou violação de direitos da criança ou do adolescente, é possível que a guarda seja compartilhada entre pais e avós. “É muito frequente que se compartilhe a guarda entre todos os envolvidos, mas ela deixa de existir quando o menor faz 18 anos, extinguindo-se também o poder familiar”, aponta Brandão, observando que a lei brasileira proíbe que avós adotem netos, o que é permitido aos tios.
“Mesmo em caso da guarda pelos avós, os pais devem continuar cumprindo seus deveres. O primeiro é o pagamento da pensão alimentícia. Eles têm o dever do sustento dos filhos que estão sob guarda dos avós", afirma o juiz. Os pais podem, ainda, vir a ter outros deveres, como o pagamento de indenização caso seja comprovado dano psicológico, afetivo ou material aos filhos. Podem ainda ter como sanção a perda do poder familiar, o que não impede que a guarda continue com os avós.
“Quando há comprovação de alguma violação de direitos, ocasionada por exemplo por drogas, álcool, eles perdem não só a guarda, mas o poder familiar, o pátrio poder, todos os direitos e deveres inerentes à condição de genitores. Embora mantenham o parentesco, perdem o direito de exercer o poder familiar”, frisa o juiz.
Neste caso, o processo será julgado na Vara Criminal. “Os pais podem ser responsabilizados pelos danos que causem às crianças. Estes podem ser materiais – quando envolvem a dilapidação do patrimônio do menor – ou morais, por práticas de abandono afetivo, sexual, ou exposição a risco”, reforça o doutor em Direito, Felipe Frank, professor de Direito de Família da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst).
O docente enfatiza que, no caso de violação dos direitos infantis, a ação será movida pelo Ministério Público na Vara Criminal, podendo ter os avós como assistentes de acusação.
No entanto, há muitos casos em que se busca apenas uma regulamentação legal para o convívio. “Por exemplo, os pais foram morar fora do país e os avós precisam da guarda para poder matricular a criança na escola e acionar o plano de saúde. Isso não tem implicação de responsabilização, pois é preciso remodelar a guarda, considerando que o menor já vive sob responsabilidade dos avós.”
Frank afirma não dispor de dados estatísticos sobre o número de pedidos de guarda por avós nos últimos anos no Brasil. O mesmo conclui o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que diz não ser possível um levantamento sobre o assunto “sem que haja consulta aos autos de forma individualizada”.
Fonte: Revista Crescer
Comentarios