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Em matéria de Direito das Sucessões, 2020 foi um ano de novas percepções


O ano pandêmico de 2020 colocou o ser humano diante de sua finitude. O reflexo jurídico dessa realidade lançou certo interesse no Direito das Sucessões. Uma visão panorâmica do que se produziu nos campos legislativo, doutrinário e jurisprudencial traz logo à mente duas palavras: novidade e amadurecimento.


De um lado, visualiza-se uma mudança dos comportamentos sociais quanto à transmissão causa mortis, o que é evidenciado pelas proposições inovadoras de juristas que estudam o fenômeno sucessório, a denotar uma tendência ao rompimento com antigos estigmas e dogmas orientadores do Direito das Sucessões. De outro, parece haver a maturidade sintetizada em um movimento, simultâneo, de pessoas engajadas na reconstrução da disciplina sob novas lentes e a partir de fundamentos mais próximos aos princípios e valores que o Direito contemporâneo deve obedecer.


Quanto às novidades, a primeira delas reflete uma alteração dos comportamentos sociais, que se voltam à ampliação dos espaços de autonomia na sucessão. Nesse sentido, ganha relevância o que em doutrina se alcunhou como planejamento sucessório e um de seus escopos é proporcionar ao titular de certo patrimônio decida, na medida do possível, o destino dos próprios bens. Esses programas de sucessão tiveram, sem sombra de dúvida, uma maior adesão no ano de 2020.


Com efeito, segundo dados do Conselho Notarial do Brasil, uma comparação entre os meses de abril e junho demonstra aumento médio, no país, de 134% no número de testamentos realizados em cartório de notas.


A angustiante convivência diária com a morte e a urgente reflexão sobre a finitude da vida, realidades impostas ao cidadão pela pandemia, aparecem como as razões centrais desta alteração de perfil comportamental. Inclusive, nesse sentido, observaram os tabeliães brasileiros uma procura maior de informações sobre o ato testamentário por parte dos idosos e dos jovens com comorbidades, além dos profissionais de saúde, ou seja, pessoas mais expostas aos riscos de letalidade da Covid-19 [1].


Em direção semelhante, o momento de exceção trouxe consigo uma lei especial, o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das Relações Privadas (Lei 14.010/2020), cujos dispositivos buscaram imprimir um tratamento diferenciado às relações entre particulares ao longo da crise econômico-sanitária, ou, ao menos, por um período temporal fixo de sua duração.


Quanto ao Direito das Sucessões, a única mudança não gerou grandes impactos práticos. Com efeito, o caput do artigo 16 do RJET previu a prorrogação do termo inicial do já desgastado prazo para abertura de inventário, cujos dois meses (artigo 611 do Código de Processo Civil) passaram a ser contados a partir de 30 de outubro de 2020, e não da abertura da sucessão.


O descumprimento de tal norma, com efeito, nunca ocasionou qualquer sanção processual ou civil; diversamente, a consequência do não atendimento do prazo importa na aplicação de multa sobre o ITCM (Imposto de Transmissão Causa Mortis) devido na sucessão, cuja sanção é comumente prevista nas legislações estaduais desta espécie de imposto. Portanto, sem alteração da regra estadual, que o legislador federal não tem atribuição para modificar, o contribuinte continuou sujeito às penalidades impostas pelo Fisco local. Portanto, o RJET, na realidade, deve ser lido como um incentivo para sensibilizar os Estados à adesão da prorrogação ali disposta.


A previsão do parágrafo único do mesmo artigo 16 tão pouco se apresentou mais efetiva. Nesse dispositivo, o RJET prorrogou o prazo de conclusão do inventário de 12 meses, também previsto no artigo 611, CPC, o qual é impróprio e descumprido cotidianamente pelos interessados (inclusive o Poder Judiciário), mas sem que haja qualquer censura.


Sob essa perspectiva, ressaltam-se características peculiares do Direito Sucessório, quais sejam, o conservadorismo e o engessamento, frutos de uma lei que não corresponde aos anseios sociais e que não tem previsões concretas de mudança. Diante desse cenário, torna-se essencial o magistério da doutrina, o qual também foi palco da propositura de novas soluções, sem descurar da rigidez técnica e dogmática.


Conforme a abertura de caminhos pelos estudiosos do fenômeno sucessório, suscitaram-se possibilidades capazes de auxiliar a concretização dos três objetivos fundamentais de seu planejamento: 1) a já mencionada expansão da autonomia do titular do patrimônio; 2) a rápida passagem dos bens aos herdeiros; e 3) a legítima economia tributária, ainda que sob as amarras legislativas.


Aliás, esse itinerário ocorreu em consonância com a ampla concepção de um sistema brasileiro de sucessões, aqui reiterada, no sentido de que o fenômeno sucessório deve ser compreendido a partir de três disciplinas: 1) o Direito Civil, que trata dos aspectos subjetivo (sucessores) e objetivo (herança) da sucessão; 2) o Direito Processual Civil e o Direito Notarial, ambos concernentes ao procedimento de inventário (obrigatório em nosso país); e o 3) Direito Tributário, o qual estrutura incidência de impostos (não somente o ITCM) na sucessão.


Na seara tributária, o Supremo Tribunal Federal destaca-se com a conclusão de um importante julgamento e início de outro. Sob essa perspectiva, definiu-se no tema 796 que o ITBI incide sobre a transmissão de imóveis à pessoa jurídica desde que o valor dos bens exceda o limite do capital social a ser integralizado, não se aplicando completamente a não incidência tributária do artigo 156, inciso I, CR. Tal decisão apresentará grandes impactos quanto à constituição de holdings para fins de planejamento sucessório.


Ainda, iniciou-se o julgamento que discute a constitucionalidade da incidência de ITCM sobre a transmissão de bens, do autor da herança, situados no exterior aos herdeiros residentes no Brasil (Tema 825). Embora o julgamento esteja suspenso por pedido de vista do ministro Alexandre Moraes, o relator, ministro Dias Toffoli, seguido pelo ministro Luiz Edson Fachin, votou reconhecendo a inconstitucionalidade de os Estados cobrarem tal imposto até que seja promulgada e sancionada Lei Federal Complementar disciplinando a questão. Portanto, espera-se de 2021, ao menos, uma decisão relevante em matéria de fenômeno sucessório, aliando-se a outras decisões que tragam segurança jurídica ao uso de instrumentos de autonomia privada para decidir o destino dos próprios bens após o fim da vida.


Sob esse prisma, espera-se que o ano vindouro continue provocando a produção científica, além do enfrentamento destes temas no cotidiano prático, de forma que o caminho trilhado em 2020 não seja — nesse campo! — transitório, mas, sim, venha para ficar.


Fonte: ConJur


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