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A sucessão do cônjuge em transformação: do Código Civil de 2002 ao novo projeto de lei

  • Foto do escritor: Bravo Godoy Perroni Advocacia
    Bravo Godoy Perroni Advocacia
  • há 4 dias
  • 3 min de leitura

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O lugar do cônjuge sobrevivente na sucessão hereditária tem sido objeto de constantes debates e reformas. Desde a edição do Código Civil de 2002, passando pela Emenda Constitucional nº 66/2010 e pelos projetos de lei em tramitação, observa-se um movimento claro de restrição da posição sucessória do viúvo ou da viúva, privilegiando a autonomia da vontade e a realidade das relações familiares.


O Código Civil de 2002: artigos 1.829 e 1.830

O Código Civil de 2002, em vigor até hoje, estabeleceu no art. 1.829 a ordem de vocação hereditária, isto é, a ordem de distribuiçāo da herança quando nāo há testamento deixado ou, quando existem os chamados herdeiros necessários:


  1. Descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente (a depender do regime de bens da uniāo).

  2. Ascendentes, em concorrência com o cônjuge.

  3. O cônjuge sobrevivente.

  4. Colaterais.


Já o art. 1.830 trouxe uma limitação:


Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente


Esse dispositivo buscou restringir a posição do cônjuge que já não convivia com o falecido, mas abriu margem para intensos litígios sobre a prova da separação de fato.


A virada da Emenda Constitucional 66/2010


A EC 66/2010 simplificou o divórcio, extinguindo a necessidade de separação judicial prévia e reforçando a ideia de que a dissolução do casamento é um direito potestativo.


Com isso, a interpretação do art. 1.830 passou a ser tensionada: como exigir separação judicial para excluir o cônjuge da herança, se a própria figura da separação foi esvaziada pela Constituição?


Na prática, a jurisprudência passou a dar maior peso à separação de fato, ainda que não formalizada, mas a insegurança permaneceu, alimentando disputas entre cônjuges sobreviventes e herdeiros.


O PL 198/24: o divórcio post mortem


O Projeto de Lei nº 198/24, aprovado na CCJ da Câmara dos Deputados, avança nesse debate ao permitir a continuidade das ações de divórcio e de dissolução de união estável mesmo após a morte de uma das partes.


Se a ação já tiver sido ajuizada, o falecimento não extinguirá o processo, e os herdeiros poderão prosseguir com a demanda.


Na prática, isso significa que o cônjuge sobrevivente deixará de ser tratado como herdeiro quando a própria parte falecida já havia manifestado em vida, formalmente, a vontade de romper o vínculo conjugal.


Esse mecanismo reduz litígios e garante maior respeito à autonomia da vontade.


O PL 4/2025: o novo Código Civil


O movimento de transformação pode se consolidar com a aprovação do PL 4/2025, que reforma o Código Civil.


Entre as propostas está a retirada do cônjuge da condição de herdeiro necessário.


Isso significa que:

  • O viúvo ou a viúva só herdará automaticamente na falta de descendentes e ascendentes.

  • O cônjuge poderá ser protegido por mecanismos compensatórios, como usufruto de parte da herança ou direito real de habitação, em casos de necessidade.

  • A liberdade testamentária será ampliada, permitindo ao falecido destinar seu patrimônio de maneira mais livre.


Assim, o novo Código Civil aponta para uma reformulação estrutural: a herança passa a priorizar descendentes e ascendentes, enquanto a posição do cônjuge se torna mais residual e vinculada a situações de dependência econômica.


Conclusão

A trajetória da sucessão do cônjuge revela uma clara evolução:


  • 2002: o Código Civil reforçou o cônjuge como herdeiro necessário, ainda que com limitações do art. 1.830.

  • 2010: a EC 66 esvaziou a separação judicial, fortalecendo a separação de fato como critério sucessório.

  • 2024/2025: o PL 198/24 e o PL 4/2025 caminham para limitar ainda mais a posição do cônjuge, seja pelo reconhecimento do divórcio post mortem, seja pela exclusão da condição de herdeiro necessário.


Se ambos os projetos forem aprovados, o sistema sucessório brasileiro passará a refletir de modo mais fiel a autonomia da vontade e a realidade das relações conjugais, evitando que vínculos já rompidos em vida produzam efeitos patrimoniais contrários ao desejo do falecido.


Por outro lado, esse mesmo movimento legislativo afasta a proteção legal automática do cônjuge, que hoje é beneficiado pela condição de herdeiro necessário. Assim, viúvos e viúvas poderão se ver em posição patrimonial mais vulnerável, especialmente quando há descendentes ou ascendentes concorrendo à herança.


Nesse cenário, o planejamento sucessório assume papel central. Instrumentos como doações em vida, testamentos, instituição de usufruto ou cláusulas protetivas em partilhas antecipadas permitem resguardar o cônjuge sobrevivente, garantindo-lhe patrimônio ou renda futura de acordo com a vontade expressa do falecido. A lei passa a oferecer menos amparo automático, mas ao mesmo tempo abre espaço para escolhas conscientes e personalizadas.


Em síntese, a mensagem é clara: se antes a lei conferia ampla proteção legal ao cônjuge, agora a responsabilidade de assegurar esse amparo migra para o planejamento sucessório individual. Cabe a cada família, com orientação jurídica adequada, definir de forma preventiva como será feita a proteção do parceiro sobrevivente.


Fontes: Código Civil (Lei 10.406/2002); EC 66/2010; Agência Câmara de Notícias; Anteprojeto do Novo Código Civil (2023/2024); IBDFAM.



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