Recém-contratada por um grande escritório de advocacia, uma jovem brilhante no espectro autista enfrenta desafios dentro e fora do tribunal.
Uma Advogada Extraordinária, nova série da Netflix, está com a primeira temporada lançada na plataforma. A produção coreana é estrelada por Park Eun-bin, Kang Tae-oh e Kang Ki-young e traz a história de uma advogada autista chamada Woo Young-woo, uma brilhante advogada no espectro autista que começa a trabalhar em uma influente firma jurídica chamada Hanbada.
Com uma memória impressionante, QI de 164 e criatividade arrasadora, a protagonista se torna a arma secreta do escritório. Por sua temática, a produção já foi comparada ao hit The Good Doctor.
Por outro lado, suas dificuldades de interação social e de compreensão de emoções são desafios que Young-woo precisa lidar para se firmar em sua atividade. Nos tribunais sul-coreanos, Woo também é forçada a desenvolver suas habilidades sociais e tentar entender melhor as pessoas que a cercam.
Nesse cenário complexo, a personagem inicia uma emocionante jornada – tanto no mundo profissional quanto em sua vida pessoal.
A retratação de pessoas no espectro autista pela Sétima Arte nunca foi fácil e sempre esbarrou ou na romantização da inteligência ou na criação de uma caricatura. “Trovão Tropical” (2008), dirigido, escrito e estrelado por Ben Stiller, faz até uma piada sobre isso em um diálogo entre atores, um consagrado e um que virou motivo de piada por sua personificação de um personagem com deficiência intelectual: “Todos sabem que você não pode criar um personagem totalmente retardado”. Em seguida, o consagrado ator usa personagens de Dustin Hoffman em “Rain Man” (1988) e Tom Hanks, em “Forest Gump” (1994), como exemplos de bons personagens em oposição a Sean Penn, em “Uma Lição de Amor” (2001) - os dois primeiros ganharam Oscars por suas atuações, o que não aconteceu com Penn. Obviamente o diálogo é recheado de preconceito, e era justamente essa a intenção do filme, mas ele também mostra a dificuldade histórica de Hollywood de lidar com pessoas no espectro.
Há algum tempo, porém, a indústria parece ter encontrado uma fórmula que, se não é perfeita, ao menos se aproxima de alguma realidade enquanto ainda opta por não usar atores no espectro para esses papéis. Séries como a ótima “Atypical”, da Netflix, ou a popularíssima “The Good Doctor” têm como protagonistas autistas plenamente funcionais, mas ainda assim lidando com as neurodivergências de cada um.
“Uma Advogada Extraordinária”, série coreana lançada pela Netflix, segue à risca a fórmula das histórias do Dr. Shaun Murphy, vivido por Freddie Highmore em “The Good Doctor”. A série acompanha a advogada Woo Young-woo (Park Eun-bin), uma mulher autista de 27 anos em seu primeiro dia em um grande escritório de advocacia da Coreia do Sul. Em um breve prólogo, conhecemos Young-woo ainda criança, quando, em uma consulta médica, Ho Gwang Woo (Jeon Bae-soo) recebe o diagnóstico de que a filha é autista. Não demora e a vemos em uma crise no meio da rua, é o texto mostrando que as coisas não serão fáceis, mas logo em seguida o roteiro alivia a situação ao mostrar Young-woo como uma menina-prodígio que decorou todos os códigos e livros de Direito que o pai tinha em casa.
No escritório, Young-woo obviamente terá que lidar com algum preconceito dos colegas, mais por desconhecimento do que por maldade, e também caberá a ela se superar diariamente para mostrar que pode ser tão boa quanto qualquer outro advogado ou até melhor do que a maioria deles.
“Uma Advogada Extraordinária” é uma série totalmente formulaica, com cada episódio trazendo um novo caso para ser resolvido pelo escritório e com uma trama maior sendo desenvolvida com muita parcimônia em segundo plano. A série é mais uma a mostrar a força da indústria sul-coreana de cinema, mas também mostra seus vícios novelescos como a superdramatização cênica e o abuso da fórmula. Quase todos episódios têm Young-woo enxergando uma solução ou uma possibilidade que passou despercebida por todos os outros advogados.
É nesse reforço do diferente que “Uma Advogada Extraordinária” desperta a simpatia do público com a protagonista. Young-woo é única, com comportamento romantizado, mas trazendo diversos pontos do espectro autista à tona; estão lá a seletividade alimentar, a aversão ao toque, o raciocínio sempre acelerado, a literalidade, a repetição, o hiperfoco, a dificuldade de interpretar certos assuntos e comportamentos… O texto confere leveza ao espectro e trata algumas situações com humor, mas nunca ridicularizando Young-woo. Pelo contrário.
O roteiro trata a protagonista como o elemento de transformação dos núcleos em que ela é inserida. Sim, é tudo muito rápido e atropelado, Young-woo chega em um dia e no outro já está mudando pessoas e solucionando casos complexos, mas os procedurais normalmente são assim. A escolha de um caso por episódio, de abrir e fechar histórias, também torna “Um Advogada Extraordinária” uma série com episódios longos, com mais de uma hora. A estratégia da Netflix segue o modelo de lançamento na TV coreana, com dois episódios por semana, então a duração não chega a incomodar. Além disso, muito acontece em cada episódio e a série nunca se torna enfadonha, ainda que seja cheia de repetições.
O mergulho que a série oferece nos costumes coreanos é interessante, pois, mesmo sendo a mais ocidentalizada potência asiática, a Coreia do Sul ainda é um país conservador, o que fica muito claro no segundo episódio, gerando uma comicidade involuntária em sua conclusão.
“Uma Advogada Extraordinária” é uma série confortável e com bons atrativos. A protagonista neurodivergente é adorável, mesmo que beire a caricatura em alguns momentos, e leva ao público uma versão romantizada do autismo, mas ainda assim uma versão que carrega diversas características nem sempre compreendidas por quem enxerga à distância.
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