Por Maria Tereza Gomes
O jornalista Flávio Costa, com quem trabalhei em vidas passadas, sempre teve uma ironia engraçada, inteligente, conversa gostosa de gaúcho nascido em Santana do Livramento. Outro dia, em post no Facebook, ele estava irritado: “Percebeu, né? Depois dos 60, até mesmo antes disso, você deixa de ser gente, deixa de ser mulher, de ser homem. Vira idoso.” E exemplifica: se um jovem ganhar na loteria, a manchete seria: “Homem acerta sozinho os números da Mega”. Se a ganhadora tiver 70, será: “Idosa ganha na loteria”. O post fez enorme sucesso, com dezenas de comentários e compartilhamentos. Percebi que há um incômodo generalizado com as pessoas de mais de 50 sobre a forma como a sociedade convencionou adjetivá-las. Um desconforto que eu também sinto. Não sei se estou preparada para ser chamada de idosa.
Como sempre acontece quando eu não entendo o significado de algo, recorro ao ‘pai dos burros’. O Aurélio diz que idoso é “que ou quem tem bastante idade; velho”. No Dicionário da Academia Brasileira de Letras, a definição é: “que conta muitos anos de existência; velho, senil” - a mesma do Michaelis. Nenhum dos três dicionários dedica mais que essas poucas palavras ao termo. Do ponto de vista gramatical, portanto, me chamar de idosa não está errado. Eu já acumulo bastante idade, o dobro da minha sobrinha Jade, de 28, por exemplo. Enquanto ela investe no início da vida profissional, eu já penso em desacelerar. E, ao contrário dela, tenho mais vida no passado do que no futuro.
Se não há nada de errado com a manchete de O Globo “São Paulo começa a vacinar idosos a partir de 67 anos nesta segunda”, por que nos incomodamos em ser chamados de idosos? A minha teoria, que seria teoria de botequim se fosse possível frequentá-los, é que não estamos brigando contra o vocabulário, mas contra o conceito de idoso que a sociedade espera de nós: uma pessoa incapaz, decrépita, que se veste e se comporta como se a morte estivesse à espreita na esquina.
Não somos assim, sabemos. Somos pessoas com sonhos, determinadas a ajudar o mundo a ser um lugar melhor. Como me diz o Flávio brincando, aos 56 ele mantém a idade mental dos 16. Só que estamos vivendo a transição entre dois mundos: esse, representado pelo Flávio, que enxerga a idade como oportunidade de continuar aprendendo e descobrindo coisas novas e o outro que ainda briga na Justiça para manter a gratuidade de ônibus para quem tem mais de 60 anos.
Se não queremos condescendência, precisamos ser coerentes. Se não queremos ser definidos pela idade, precisamos pedir uma revisão também no Estatuto do Idoso. A lei de 2003 do Ministério da Saúde, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente da República, assegura os direitos “às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos”. Não sei se choro ou se comemoro o fato de que passarei a ter essa proteção especial em menos de quatro anos. Ainda mais que o texto diz em seu artigo 2.º que “O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana(…)” Desculpa, mas precisa dizer que idoso também é ‘pessoa humana’? Se toda mudança precisa começar de algum lugar, eu sugiro que esta comece pela LEI N.º 10.741.
Fonte: Época Negócios
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