Por Mariza Tavares
Filme sobre abusos financeiros contra idosos é um alerta
Juíza explica como a curatela funciona e que cuidados podem ser tomados para evitar arbitrariedades
Amigos dessa colunista chamaram sua atenção para o filme “Eu me importo” (“I care a lot”), disponível na Netflix, que trata de tema sinistro: uma vigarista com poderes de guardiã legal de idosos se encarrega de despojá-los de seus bens. Marla Grayson, interpretada pela atriz Rosamund Pike, trabalha em conluio com uma médica e o dono de uma instituição de longa permanência buscando vítimas: pessoas com bens que são fraudulentamente diagnosticadas como incapazes de tomar conta de si mesmas. É quando Marla entra em ação: vende seus imóveis, impede que sejam visitadas pelos filhos e remunera seus serviços a peso de ouro. No entanto, o negócio promissor sofre um baque quando ela lança suas garras sobre Jennifer Peterson (Dianne Wiest), uma simpática septuagenária que parece só no mundo mas, na verdade, tem conexões com a máfia russa. A proposta de ser uma comédia macabra não me agradou muito, mas o assunto merece discussão.
Nos Estados Unidos, a figura do guardião profissional é mais comum do que no Brasil. Casos abusivos já foram inclusive investigados pelo Senado e a organização Americans Against Abusive Probate Guardianship luta para impor limites ao setor. Traduzindo em números, há cerca de 1.3 milhão de norte-americanos sob a responsabilidade de parentes ou estranhos que controlam 50 bilhões de dólares. E no Brasil, em que pé estamos? Para entender melhor nosso sistema, conversei com Maria Aglaé Tedesco Vilardo, juíza substituta de desembargador no segundo grau no Rio de Janeiro e doutora em bioética, ética aplicada e saúde coletiva.
Aqui, chama-se curatela a figura jurídica de proteção de maiores de 18 anos sem condições de reger a própria vida por alguma incapacidade mental, intelectual ou física. Na maioria das vezes, o curador é um membro da família, mas ele também pode ser designado pelo juiz – há até funcionários do tribunal que desempenham essa função. A juíza Aglaé Vilardo critica o que, na sua opinião, é uma visão retrógrada: considerar o idoso absolutamente incapaz. “Devemos assegurar sua participação no maior grau possível. Temos que olhar a pessoa idosa em suas habilidades e funcionalidades”, enfatiza.
Mas como se proteger de abusos? Para a juíza, o ideal é preparar uma manifestação de vontade prévia sobre quem gostaria que fosse seu curador, ou seja, deixar pronto, por escrito, que determinada pessoa é a escolhida para administrar seus direitos patrimoniais. E que fique claro: a curatela não abrange direitos existenciais – não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto. Ninguém se torna “dono” do outro.
Mesmo assim, há riscos: casos em que a família questiona o documento e quer assumir a curatela quando o idoso se encontra num estado de fragilidade. “O juiz deve buscar a história que está por trás da disputa, e não dar preferência, de imediato, ao membro da família. O senso comum de que familiares são próximos e, por isso, os mais indicados para a função, nem sempre condiz com a realidade”, ela afirma. Uma outra alternativa é a tomada de decisão apoiada, na qual o interessado deve ingressar com um pedido judicial indicando no mínimo duas pessoas de sua confiança para serem suas “apoiadoras” e ajudá-lo nas deliberações. Por último: reforço a importância das diretivas antecipadas de vontade, quando se deixa por escrito as recomendações sobre os tratamentos que queremos e os que não desejamos receber. Melhor ser dono da própria história até o fim.
Fonte: G1
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