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Foto do escritorBravo Godoy Perroni Advocacia

Opinião: Colocar ou não um familiar com Alzheimer numa ILPI (“lar para idosos”)?

Leandro Minozzo


Talvez uma das doenças mais desafiantes para a família e para os profissionais de saúde envolvidos seja a doença de Alzheimer. A complexidade do quadro, a falta de conhecimento e o prolongado tempo de evolução costumam tornar o cuidado desgastante. Estima-se que nas fases mais avançadas, uma pessoa com a doença necessite de quase 470 horas de cuidado por mês, ou seja, quase uma dedicação permanente. Nessa mesma linha, estatísticas apontam que 40% dos cuidadores entram em depressão.


Como médico geriatra, participo de diversos momentos difíceis, como o diagnóstico e o luto final. E entre essas duas fases, há uma série de decisões nas quais os familiares e a estrutura familiar são colocados em xeque.


O tema do texto de hoje é freqüente no consultório: quando transferir um familiar para uma instituição de longa permanência para idosos? Como tomar essa decisão de uma maneira mais adequada?


Sobre esse dilema, ele ainda é considerado novo em nossa sociedade, afinal, tudo que gira em torno do envelhecimento ainda é novidade. Porém, cada vez mais famílias enfrentam a doença de Alzheimer. Estima-se, que pelo menos 1,4 milhão de brasileiros tenha Alzheimer e que, desses, 800 mil ainda não foram diagnosticados. E imagine: esse número pode triplicar nos próximos 30 anos.


Sobre o processo de institucionalização, e já para te deixar familiarizado com o termo, hoje não nos referimos mais aos lares como asilos, mas como Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI) – daí o termo institucionalização. Sobre esse processo, temos nas demências o principal motivo que leva famílias a mudar o local de assistência dos idosos. O diagnóstico da doença aumenta em 154 vezes as chances de um idoso viver numa ILPI e, pelo que percebo, a maioria dos residentes é portador de algum tipo de demência.


Pretendo hoje, através de uma tentativa de conversa franca e direta contigo e com suas aflições, orientar sobre o processo de decisão que envolve institucionalizar ou não um familiar com a doença de Alzheimer. Pelos anos de prática médica, tenho para mim que essa decisão é uma das mais difíceis. Ela expõe sentimentos conflitantes, desafia emoções e laços afetivos. Joga muito o emocional contra o racional. Além de representar um marco importante na vida do familiar acometido pela doença.


Quero fazer um esforço para ajudar você e sua família a viver esse desafio com a cabeça erguida e sem adoecer.


Vamos lá!


Vou dividir o assunto de uma forma didática, apontando os principais pontos a serem considerados ou as principais barreiras no processo decisório. No final, faço um apanhando e indico como é minha conduta frente a esses casos.

  • Começo pelo maior obstáculo a uma tomada de decisão adequada, a FALTA DE CONHECIMENTO sobre o Alzheimer e sobre os cuidados a ele relacionados;

  • O segundo ponto importante a ser discutido na decisão de se institucionalizar um familiar com Alzheimer é o sentimento de CULPA, muito freqüente em cônjuges e filhos;

  • Sigo apontando mais uma barreira que é o CONTEXTO FAMILIAR. Sabemos que são raros os casos de harmonia, de boa comunicação e de um entendimento coletivo sobre o que é a doença, suas demandas e o que o cuidar pode causar em quem despende maior atenção. Conflitos entre familiares costumam tornar essa decisão mais difícil e, o mais comum, retardar a tomada de atitudes importantes;

  • Fundamental também comentar sobre a questão de CUSTOS quando falamos de decidir sobre a institucionalização ou não de um familiar com a doença de Alzheimer. Em muitos casos, manter cuidadores em casa pode ser mais oneroso do que o valor de uma ILPI;

  • Um ponto que devemos considerar também é a IMAGEM DAS INSTITUIÇÕES, que ainda temos, no senso comum, como sendo locais precários e frios. E, posso dizer, que há sim muitas que são falhas, no entanto, há já, nos últimos cinco anos, um cenário de novas ILPI’s que ajudaram a mudar o paradigma. Destaco que existem leis e resoluções que regulamentam o funcionamento das ILPI’s ( como o Estatuto do Idoso, de autoria do meu amigo Senador Paim, e a RDC 283 da ANVISA );

  • E o que REPRESENTA essa decisão de transferir um familiar para uma instituição, para um lar de idosos? É importante que todos os envolvidos entendam sobre o luto que a institucionalização causará e que cada ser humano lida de uma forma própria;

  • Trago aqui um ponto interessante para compreensão da situação: quais são os fatores que precipitam a institucionalização? Ou seja, identificar o que faz o papel de gota da água para que o copo transborde;

  • Um tema que envolve a institucionalização, mas também todo o cuidado de um familiar com Alzheimer é a TERMINALIDADE. Mesmo não querendo aceitar, sabemos que alguns marcos da doença estão associados ao fim da vida. E nessa fase, a necessidade de cuidados e o desgaste emocional podem ser muito pesados;

  • E quais são as VANTAGENS em institucionalizar uma pessoa com a Doença de Alzheimer? E quais vantagens de se manter o cuidado no domicílio? Quais os impactos na evolução da doença?

  • Talvez, um dos aspectos mais relevantes no processo que envolve essa decisão – e me refiro a processo porque não é algo rápido e feito sem reflexão – é a BALANÇA DA SITUAÇÃO DO CUIDADO. O que é isso? É uma equação que deixa bastante clara a necessidade de se tomar a decisão. Nela, de um lado temos a CAPACIDADE do cuidador principal, ou seja, sua condição de saúde, seu suporte social e afetivo e a presença ou não do estresse do cuidador. No outro lado, temos a CARGA DO CUIDADO. E o que soma nessa carga? A quantidade de cuidado em horas e demanda noturna; a especificidade do cuidado – ou seja, quanto mais dependente o familiar, maior é a carga; e a evolução da doença – pacientes com piora cognitiva muito grande e alterações de comportamento tornam a demanda de cuidado muito maior. Parece até simples compreender essa BALANÇA, no entanto, em alguns contextos familiares percebo que ela não é tão fácil assim. E por algumas razões, como a falta de amor, um comodismo egoísta, falta de assertividade de quem cuida e sofre. Destaco que, às vezes, até mesmo o estresse do cuidador leva a pessoa a ficar tão confusa que ela não consegue mais se comunicar adequadamente e pedir ajuda.Na decisão de se institucionalizar um familiar, quando a BALANÇA pende mais para a CARGA do que para a CAPACIDADE, algo deve ser feito, antes que fatos graves tomem lugar;

  • E como fica o TRATAMENTO MÉDICO na situação de institucionalização? Quais Estratégicas são úteis? A meu ver, é, assim como no momento do diagnóstico e das informações iniciais, uma das situações nas quais o médico mais deve estar presente. A família deve confiar no médico para orientar nessa transição, ele poderá avaliar as respostas do paciente à mudança de residência e propor ajustes. Sobre o tratamento, ele tem como objetivo principal manter a funcionalidade da pessoa acometida pelo Alzheimer e pode ser mantido durante a institucionalização. E ao médico também cabe sugerir estratégias geriátricas nesse momento, como educação em saúde, adequação de medicamentos, suporte, entre outras tantas;

Encaminho agora para o final dessa conversa, ou de orientação, podemos assim chamar. Vou trazer um pouco dos conceitos que aprendi de ADMINISTRAÇÃO de empresas, no MBA que fiz. O processo de tomada de decisão é bastante peculiar a cada situação. E nesse caso, mais ainda, porque envolve todos esses fatores humanos que trouxe até agora: conhecimento, sentimentos, culpa, famílias. Não há como terminar essa conversa com uma receita de bolo. Porém, podemos olhar para a ADMINISTRAÇÃO e tornar esse desafio um pouco mais suportável, ou menos sofrido.


Em todo processo de decisão, a informação é fundamental. Precisamos saber o máximo possível sobre produtos, serviços, tarefas, concorrentes, demandas, tempo, custos. E no cuidado do Alzheimer é a mesma coisa. Informação, conversa, avaliação de médicos e de especialistas são fundamentais. Quantas horas por dia o meu familiar precisa de supervisão? Qual é o estágio da doença e o que se deve esperar? Quando medicamentos são tomados por dia? Quais sinais de que o cuidado não está adequado? Como está a saúde de quem executa a tarefa de cuidar?


Seguindo, num processo de tomada de decisão, precisamos conhecer todas as alternativas e os riscos. Quais são as opções frente ao problema do cuidado? Quais são as instituições em minha cidade ou próximas? Há possibilidade de se contratar um cuidador para vir em casa? Quais os custos envolvidos? Como ficará nos finais de semana?


Sobre os riscos: o que acontecerá se não modificarmos a forma e o local de cuidado? O que poderá acontecer? Há risco do cuidador entrar em processo de adoecimento? Haverá prejuízo para o familiar caso ele vá morar num lar? O que pode acontecer de “errado”?


Quais as alternativas para diminuir os riscos envolvidos?


Num processo de decisão, também é importante sabermos se a decisão que iremos tomar é reversível ou não. E aí, deixo novamente o alento para os familiares: trata-se de uma decisão que mobiliza muito a família, porém não é irreversível! A decisão tomada poderá ser reavaliada frequentemente e a família poderá perceber a evolução do familiar e das condições do cuidador. Num curto espaço de tempo, se poderá reafirmar a decisão ou se retroagir.


Nesse processo de decisão, destaco que o diálogo é fundamental. As informações devem ser sempre compartilhadas. É importante que se saiba que cada filho ou cônjuge tem um jeito de encarar o sofrimento, o luto que a institucionalização pode representar. Alguém da família, no entanto, precisa tomar a frente, de uma forma compassiva, e ajudar todos a compreender a melhor a situação, evitando a paralisia.


Sobre o “honrar pai e mãe”, que é um dos mandamentos dos seguidores de Jesus Cristo, me permito fazer uma ponderação. Uma ponderação importante. Na minha opinião, nenhum pai ou mãe criou um filho com amor, com compaixão, fé e esperança na expectativa de que o seu filho sacrificará sua vida em prol de um cuidado que lhe adoecerá. Um pai e uma mãe de amor, em sã consciência, na plenitude de conhecimento, jamais obrigaria um filho a prejudicar sua saúde ou seu convívio familiar frente a uma doença como é o Alzheimer em sua fase final. Pelo menos jamais desejaria que minha filha passasse por isso. Ir para um “asilo” em plena condição de saúde e de consciência é uma coisa, mas ser cuidado por profissionais especializados, quando já não há mais consciência ou condições cognitivas, é outra bem diferente. Não associo a institucionalização a qualquer tipo de abandono.


É claro, que o cuidado permanecerá sendo prestado pela família, através de visitas, carinho e suporte.


Releia o texto. Divida-o com seus familiares.


Para quem ainda não passa por esse dilema, a sugestão que deixo é a de não julgar e evitar ao máximo fazer promessas, que como ficou claro no texto, serão difíceis de serem cumpridas.


Despeço-me na esperança de ter ajudado a encarar esse desafio com mais sabedoria.


Um grande abraço, Leandro Minozzo




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