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Foto do escritorBravo Godoy Perroni Advocacia

Não falar da morte é um grande perigo para os jovens brasileiros


A morte nunca esteve tão presente na vida de milhões de brasileiros como em 2020. A importância da vida e dos cuidados com a saúde também. Com o foco no bem-estar em pauta, a juíza e escritora brasileira Andréa Pachá, a educadora financeira e superintendente da Anbima, Ana Leoni, e o médico Alexandre Kalache, especialista em questões relacionadas ao envelhecimento trouxeram para a discussão em um painel ontem, no Congresso Internacional da Planejar, um tema ainda mais pertinente: a dificuldade de falarmos sobre a morte para vivermos melhor.


Em um primeiro momento parece até contraditório. Afinal, por que para viver eu preciso falar de morrer? Mas acontece que é justamente por este tema – morte – ser um tabu na cultura brasileira (e em outras também) que os jovens de hoje estão deixando de fazer algo vital para ter um envelhecimento confortável: planejar seu futuro.


“Se queremos chegar bem aos 90 ou 95 anos, não adianta taparmos o sol com a peneira. A vida se tornou uma maratona e não é mais uma corrida de 100 metros. Há perdas que precisamos prevenir e reservas que precisamos criar”, disse Kalache no painel “Longevidade, desafios na formação de poupanças (afetiva, de saúde, financeira) e propósito”.


O médico se refere não apenas à saúde física e mental, mas também a financeira. E a preparação – para todas as saúdes – é a única coisa que os jovens podem fazer. Para a saúde física, ele traz as quatro dicas básicas – não fumar, beber moderamente álcool, se alimentar bem e evitar o sedentarismo. Para a mente, não deixar de aprender nunca. Para o bolso, fazer um bom planejamento financeiro para ter um envelhecimento o mais sustentável e confortável possível.


“Cícero [Marco Túlio Cícero] escreveu um tratado sobre a velhice em que pontua que não há nada errado com o envelhecimento; o erro está em nossa atitude para com o envelhecimento”, diz, se referindo à obra “Catão, o velho, ou diálogo sobre a velhice”, escrita pelo filósofo em 44 antes de Cristo. “Dois mil anos depois, Simone de Beauvoir [filósofa e ativista política], enquanto observava seu companheiro Jean-Paul Sartre envelhecendo fragilizado, ressignificou o envelhecimento.”


O que parece papo de acadêmicos tem muito a ver com a realidade de milhões de brasileiros, que penam para conseguir viver com a parca aposentadoria. E mais ainda de jovens que nem pensar em si lá na frente estão.


Ao falar sobre isso Kalache se refere ao pensamento difundido na obra de Simone de Beauvoir de que lidamos com a velhice como se fosse algo estranho a nós. Ou seja, temos dificuldade em aceitar que nós, sim, todos, seremos velhos e velhas um dia. Beauvoir questiona se estamos preparados para envelhecer e vivenciar a velhice, já que mantemos sempre a máxima distância do assunto.

Em ciência comportamental, foi identificado inclusive vieses psicológicos relacionados a isso, o desconto hiperbólico e o viés do presente. Na prática, o que se descobriu é que nosso cérebro não vê muito sentido em postergar uma gratificação que poderia ser usufruída hoje (viés do presente). As recompensas imediatas são mais valiosas que as que vão demorar para chegar (desconto hiperbólico) – o famoso “é melhor ter um passarinho na mão do que dois voando”.


Envelhecer ou morrer “É fundamental pensarmos sobre isso porque no Brasil, o velho é sempre o outro. Se acharmos que o velho é sempre o outro, não nos preocupamos. O que as pessoas não pensam é que a melhor coisa que pode acontecer é envelhecer e não morrer cedo”, aponta Kalache.


Ele lembra que o período mais alto em termos de custos com saúde é no último ano de vida. “Não tenha a ilusão que terão morte rápida e doce, que morrerá dormindo; só 10% das mortes são assim. A finitude pode ser prolongada e dolorosa”, lembra.


O tema, por mais desconfortante que seja é sério e necessário.


“A gente precisa tocar o sino das pessoas. Nós da indústria financeira temos que trazer esse senso de realidade às pessoas. Romantizar que o futuro vai ser melhor não é a solução. Precisamos trazer esse senso – e consenso - de responsabilidade maior”, pontua Ana Leoni, executiva da Associação Brasileira das Entidades Financeira e de Capitais (Anbima) e quem procura trazer à tona nos grupos de discussão e na mídia o tema de gerontologia financeira, as finanças para o envelhecimento.

“As propagandas de produtos de previdência e investimentos que mostram a figura de idosos na praia e no sol sorrindo não representam a realidade das pessoas. Sem projetarmos a realidade, deixamos o senso de urgência de lado. Temos que trazer senso de realidade para que as pessoas se preparem”, completa.

Ana lembra que, apesar de ser comum perguntarmos para as crianças o que querem ser quando crescer, não nos perguntamos o que queremos ser quando envelhecermos, qual o legado que queremos deixar e o que queremos vencer no envelhecimento.

Autora de “Velhos são os outros” e uma especialista em litígios envolvendo sucessão familiar e herança, Andréa Pachá acredita que o destinatário de produtos financeiros para aposentadoria não necessariamente deve ser o idoso.


“Podemos ter uma campanha para mostrar para meninos de 20 a 30 anos que o envelhecimento vem. É nessa hora que tem autonomia e consegue fazer esse projeto. Quando o produto chega ao idoso, ele já não tem, muitas vezes, autonomia e capacidade emocional de pensar. Velhice é um projeto e, para quem tem sorte, ela vai chegar. Por isso é preciso que a indústria aposte na inexorável passagem do tempo”, diz Andréa.


Mas não é apenas no tratamento que damos a nós mesmos no futuro que estamos pecando quando falamos em saúde física, mental e financeira. É também como nos comportamos com as pessoas mais velhas.


Andréa joga luz sobre como estamos tratando – mal - os nossos idosos, partindo do pressuposto de que são pouco úteis e ainda incapazes de tomar suas próprias decisões, inclusive sobre como gastar o seu dinheiro.


Um peso, um estorvo “Um grande problema é o utilitarismo da sociedade do capital, o neoliberalismo. A sociedade que acolhe quem produz e consome e, quando idosos, as pessoas não têm mais contribuição a essa sociedade. Elas perdem, então, a importância”, afirma. “Vivemos em uma sociedade utilitária, em que o idoso é visto como um peso. Não é fácil enfrentar essa imposição da juventude como se fosse um processo natural.”


Ao comentar um caso que acompanhou de uma família que queria interditar o patriarca porque ele havia conhecido uma pessoa mais jovem e queria curtir a vida (e torrar o dinheiro que ele mesmo conquistou ao longo dela), a juíza diz que a autonomia das pessoas também deve existir para dar liberdade para cada um (inclusive os mais velhos) de viver – e agir – como quiser, ainda que cometa erros.


“É um fio tênue e há vulnerabilidade real. Existem pessoas que querem se beneficiar da carência e vulnerabilidade de quem envelhece. A gente vê com frequência idosos serem vítimas de fraudes financeiras, mas existem também aqueles que querem mesmo é ter autonomia para escolher como desacumular seu patrimônio”, explica.


Para Andrea, a melhor forma de prevenir problemas é fazer um bom planejamento sucessório, que envolva discussões com todos os familiares próximos. Mas, para isso, claro, é preciso vencer o grande desafio que é falar da morte. Pensar que pais e mães – e nós mesmos – vamos morrer não é nada tranquilo, mas é um passo importante para vivermos com qualidade.


“A covid nos confrontou com a morte de uma forma inexorável, querendo ou não querendo. Tirando as castas de negacionistas, todos nós acordamos e dormimos com morte à espreita. Isso desencadeou um sentido de urgência no planejamento, cuidado e afeto. Mal tocamos na necessidade de planejamento para suprir as necessidades [do envelhecimento]”, diz Andrea.


Para vencer essa barreira, o jeito é, diz ela, “acender a luz e encarar a morte” para, “a partir da precariedade da condição humana, conseguirmos viver melhor”.

Kalache destaca ainda que é preciso considerar que há uma diversidade grande mesmo dentro da classe de “idosos”. Ele cita o exemplo dele mesmo, que é considerado velho aos 75 anos, assim como sua mãe, que completou 103 anos. É um tema que deveria ganhar cada vez mais atenção de profissionais da saúde e de planejadores financeiros.


“O impacto da nossa omissão com a questão de planejamento tem levado idosos a um envelhecimento sem qualidade. Quando falamos de planejamento, excluímos os idosos. Não há previdência que dê conta desse processo de envelhecimento”, diz.

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